*Creuza Oliveira é secretária geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia. O texto abaixo é a transcrição da fala de Creuza para nossa equipe.
Este momento de pandemia do Coronavírus que estamos vivendo não tem sido nada fácil para toda a população – para brasileiros e não brasileiros, o mundo inteiro. E ficamos ainda mais preocupadas com nossa categoria, trabalhadoras domésticas, que na sua grande maioria são mulheres chefes de família, mães “solteiras”, e que tem que sair todos os dias para buscar o seu sustento, seja trabalhando como diaristas, cuidadoras. Nossa categoria tem sofrido muito com isso.
E este governo é, na verdade, um desgoverno. Que não respeita e retira os direitos da classe trabalhadora, mas em especial das mulheres e negros, da população mais carente, como indígenas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, sem teto e sem terra. Minimiza a pandemia, diz que é uma gripezinha. Imagina se isso é verdade com tanta gente morrendo. Incentiva a população desinformada de que não estamos vivendo uma pandemia que mata, destrói, e ainda incentiva as pessoas a desrespeitarem a quarentena. Tudo muito triste.Mas, o povo precisa se unir para continuar na luta pelo direito da maioria. O isolamento é fundamental.
O sindicato hoje da Bahia, no qual sou presidenta, está em quarentena, fechado. Estamos nos comunicando via Whatsapp e pelo e-mail que foi criado específico para fazer os acordos como, por exemplo, o caso da MP que garante a suspensão do contrato de trabalho com o governo pagando 70% do salário das trabalhadoras e o patrão 30%. Então, o sindicato está avaliando os contrato, avaliando os contrato que são suspensos e olhar se está tudo certo. A princípio, a MP obrigava que todos os contratos de suspensão passassem pelo aval do sindicato, porém depois suspenderam isso, não sendo mais obrigatório. Mas mesmo assim, estamos orientando os patrões e trabalhadoras e tirando dúvidas.
Estamos também com ações de apoio solidário, como doações de cestas básicas, buscando apoio para garanti-las para a categoria. Os sindicatos em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Acre, tem recebido doações e repassado para as trabalhadoras. E desde o começo desta pandemia, temos feito o possível para orientar a categoria, tanto sobre os direitos, quanto apoiando ações solidárias.
Nós estamos orientando sobre o cadastro na Renda Emergencial, já que muita trabalhadora doméstica é mãe “solteira”. A grande dificuldade é o cadastramento: fazer inscrição nos sites, baixar aplicativos. Algumas companheiras trabalhadoras que tem filhos adolescentes e jovens, que dominam mais este processo do que nós – que já passamos dos 50 ou 45 é mais difícil – tem conseguido fazer com ajuda de filhos e netos que tem celular que permite baixar o aplicativo, para as que não têm é mais difícil.
Nosso grande desafio hoje é o desemprego, que já era crescente na categoria e que depois desta crise vai ser pior. Há dados que apontam que desde o começo do Coronavírus, em Salvador/BA, três mil trabalhadoras domésticas foram dispensadas. É muito preocupante isso, mas nós temos a confiança de que nunca tivemos nada fácil. A vida nunca foi fácil para nós pretas e pretos, que estamos no subemprego e em situação de extrema pobreza. Sabemos que passamos por situações de tanta violência e com certeza neste processo seremos os mais prejudicados. Temos que estar unidas e unidos para que possamos passar e vencer esta batalha sem tanto sofrimento. Sabemos que quem está mais morrendo é a população pobre, periférica, moradores das favelas, a população negra, menos assistida.
Muitas patroas têm obrigado as trabalhadoras domésticas à irem para o trabalho e não estão dando os materiais de proteção: máscara e luva. Essas trabalhadoras dependem de ônibus e metrô, colocando em risco à sua saúde, da sua família e da própria casa que trabalha. Muitas trabalhadoras estão sendo infectadas pelos patrões que fizeram viagem internacional. Foi o caso de uma trabalhadora doméstica do Rio de Janeiro: foi contaminada pela patroa e morreu. A patroa, com certeza, tem toda a condição de um bom tratamento em uma clínica particular. E as trabalhadoras doméstica que dependem do sistema de saúde sobrecarregado sem equipamentos necessários para atender uma pessoa que teste positivo? É uma situação que adoece, que entristece e que deixa com depressão.
Nesta pandemia, temos procurado pedir para que as trabalhadoras fiquem em casa, cuidem da saúde e família, mas sabemos que poucas podem. Às vezes, as patroas obrigam que trabalhem. Há denúncias até de cárcere privado: “você deve ficar aqui enquanto durar a pandemia”, “só sai quando terminar”. A patroa só quer se proteger, mas e a saúde da família da trabalhadora doméstica? E a sua vontade própria? E os meios de comunicação, fortalecem, naturalizam o fato da trabalhadora doméstica ficar o tempo todo à serviço da patroa, do patrão e dos filhos deles. E os filhos, a família e a vida da trabalhadora doméstica? É a reprodução da casa grande e senzala.
A luta continua. Temos mais de 80 anos de organização sindical no Brasil. Nossa luta começou na década de 1930, com Dona Laudelina de Campos Melo. Em 1936, foi criada a primeira associação de doméstica do país. E nunca foi fácil. Sabemos que estamos sempre no segundo, terceiro, décimo plano. Nunca somos prioridades. Somos prioridades apenas nas coisas ruins: violência doméstica, desigualdades, no desrespeito ao nosso direito – então somos as primeiras da fila.
Contudo, continuamos lutando com dificuldade. Somos guerreiras e resistentes, mas todos nós, guerreiros e guerreiras, temos o nosso momento de muita dificuldade, a resistência também tem seu limites.