Sou deputada federal, eleita pela população do Rio de Janeiro com mais de 107 mil votos, mas definitivamente minha vida política não começa aí. Meu corpo de mulher negra é necessariamente político. Política é a vida concreta que mulheres como eu experimentamos desde que nascemos. Política é quando minha mãe, com minha irmã caçula no barrigão, exausta depois do dia de trabalho, com um braço me carregava no colo, com outro segurava meu irmão, subindo a ladeira da Riodades. Quando meus alunos da Maré não tinham aula por conta de tiros, sempre foi sobre política. Política é se tem arroz na mesa das mães trabalhadoras. Se elas verãos seus filhos crescerem vivos. Eu aprendi política com minha mãe, com meus alunos, com a resistência de gente de verdade.
Me filiei ao PSOL em 2010 por entender que esse partido vocaliza tantas lutas concretas. Desde então, com muito orgulho, construo este instrumento. Eu experimento a luta coletiva no PSOL. Acredito que é ela que pode transformar um mundo que tem sido tão horrível em um lugar no qual vidas negras importem, em que o patriarcado fique pra trás e onde o trabalho sirva para tornar nossas vidas melhores e não para enriquecer alguns às custas de nosso sangue.
Pra mim, a institucionalidade é mais uma trincheira. No mandato coletivo de vereadora em Niterói, a rua e o povo sempre guiaram nossas ações. É assim também que construimos nosso mandato de deputada. Por isso, não posso me calar diante do cerceamento imposto à nossa trincheira na Câmara Federal. Infelizmente, a forma de fazer política em que sempre acreditei, tendo o território como prioridade, está sendo inviabilizada por ameaças graves à minha vida.
Não darei nenhum passo atrás, mas é preciso estar viva para fazer política. Nós mulheres negras, que emprestamos nosso corpo para ocupar a política institucional, não queremos ser mártires. O que quero é continuar a ocupar espaços de poder com a radicalidade da luta antirracista, feminista, socialista e libertária. Pra coletivizar o poder ajudar a devolvê-lo para as maiorias. Farei isso estando viva. Hoje, isso exigiu o afastamento temporário do Rio de Janeiro, já que, apesar da gravidade das denúncias, não tenho nenhuma garantia de proteção efetiva no território que me elegeu.
Agradeço o trabalho recente dos servidores da Polícia Federal e empenho da Polícia Legislativa, mas a verdade é que o cenário em que vivemos exige um esforço conjunto de diversas instituições. Esse esforço hoje está longe de ser uma realidade. A violência política no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, é inadmissível e nos coloca ainda mais distantes de uma experiência verdadeiramente democrática.
Diante disso, é com tristeza que anuncio e denuncio que no dia 15 de novembro não exercerei meu direito ao voto. Não por escolha, mas por imposição. Tudo que mais queria era poder teclar 50 e eleger Flávio e Jô, mas isso me foi tirado. E por isso, faço um apelo a que todos e todas que tenham condições compareçam às urnas para dar um basta ao projeto autoritário e anti-povo que se espalha no Brasil. Depositem seu voto na esperança, na possibilidade de alegria, na vida e na liberdade! Votem por mim. Pelas que vieram antes de nós. Por Moana Mayalú. Por todas nós. Pelas que virão. Não tenho dúvidas: atravessaremos esse inverno e venceremos!